Quando para mim olhares,
Não vejas o corpo meu;
que este corpo é impuro,
que um sopro de vida ergueu,
e a morte tem seguro,
como espólio que é já seu.
Quando para mim olhares,
vê-me qual és, qual eu sou,
deste corpo mui diverso,
onde apenas preso estou;
como a criança em seu berço
onde a mãe a enfaixou.
Quando para mim olhares,
não para o barro mortal,
ver-me às tão puro, tão belo,
como o raio matinal,
rompendo o espesso novelo
de terras no céu brumal.
Eu alma sou, nobre, eterna,
nobre, eterno é meu amor,
de essência mais alta e forte,
que do sol o resplendor;
pois não é sujeito a morte,
o que é de Deus um fulgor.
Eu alma sou, nobre, eterna,
que vim no mundo vagar,
até encontrar outra alma,
a quem só devesse amar,
de quem recebesse a palma,
do meu tão longo penar.
Eu alma sou, nobre, eterna,
alma sou, filha de Deus,
que pelo mundo só erra,
por amor dos olhos teus,
e que vem dar-te na terra,
esse amor que é lá dos céus.
A minha alma amar só deves,
a mim só deves querer,
se o corpo também amares,
poderás te arrepender,
como quem se lança aos mares,
a ignotas terras ir ver.
A minha alma amar só deves,
que ela só sabe sentir,
o amor que tua alma sente,
e transluz no teu sorrir,
como nos mares do oriente vê-se as perlas seduzir.
Mas se julgas que amar deves,
a este corpo também,
como se ama o pobre alvergue,
onde habita o caro bem,
aos meus olhos os teus ergue,
onde por ver-te a alma vem.
Gonçalves Dias.