sexta-feira, 15 de setembro de 2017

No Templo, ao romper da alva. 1843

O sol oriental que ora bate ridente no pavimento da igreja aflige a minha alma, porque me parece que, iluminando essa terra condenada se assemelha ao homem cruel que viesse dar uma risada junto ao leito do moribundo.

Porque te haveria eu de amar? ó Sol, se tu és o inimigo dos sonhos do imaginar; se tu nos chama à realidade, e a realidade é tão triste?

Pela escuridão da noite, nos lugares ermos e ás horas mortas do alto silêncio, a fantasia do homem é mais ardente e robusta.

É então que ele dá movimento e vida aos penhascos, voz e entendimento as selvas que maneiam e gemem á mercê da brisa noturna.

É então que ele colige as suas recordações, une, parte, transmuda as imagens das existências que viu passar ante si e estampa nas sombras que o rodeiam um universo transitório, mas para ele real.

E é belo esse mundo de fantasmas aéreos, por entre cujos lábios descorados não transpiram nem perjúrio nem dobrez, e a cujos olhos sem brilho não assoma o reflexo de ânimos pervertidos.

Aí há o repouso, a paz e a esperança que desapareceram da terra, porque o mundo das visões cria-o a mente pura do poeta, ela dá corpo ao que já só é ideal, e o passado, deixando cair o seu imenso sudário, ergue-se em pé e pondo-se diante do que medita, diz-lhe: aqui estou eu!!!!

E este o compara com o presente e recua de involuntário terror.

Porque o cadáver que se levanta do pó é formoso e santo, e o presente que vive e passa e sorri é horrendo e maldito.

E o poeta chorando, atira-se ao seio do cadáver e responde-lhe: esconda-me tu!!!

É lá que esta alma, árida como a urze, sente, quando aí se abriga, refrescá-la um como orvalho do céu.

Pag. 35 e 36, Eurico, O Presbítero.
Autor: Alexandre Herculano.

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